quinta-feira, 9 de junho de 2016

NOTA DE REPÚDIO AO ESTUPRO COLETIVO SOFRIDO POR ADOLESCENTE NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO





NOTA DE REPÚDIO AO ESTUPRO COLETIVO SOFRIDO POR ADOLESCENTE NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Nós, Coletivo Autônomo de Mulheres Pretas – ADELINAS, vem manifestar, publicamente, o nosso repúdio contra os 33 (trinta e três) homens que estuprou uma adolescentes no Rio de janeiro no último dia 21/05/2016, bem como repudiar a postura do delegado de polícia afastado, reprodutor da cultura de estupro, que se colocou igualmente violento contra a adolescente e evidenciou a legitimação do patriarcado e a culpabilização da vítima.

O vídeo com as imagens chocantes da vítima, inconsciente e totalmente vulnerável aos agressores, foi viralizado nas redes sociais e causou grande repercussão nacional e internacional.  Causou-nos também grande indignação os diversos comentários das pessoas que se manifestaram a favor dos agressores e a responsabilização da vitima pelo ato de violência, validando a existência da lógica que ainda permeia o senso comum da cultura patriarcal do estupro à “mulher honesta”. Os comentários diversos só reforçaram que, se o Estado patriarcal cria as condições para essa cultura da violência, a chamada sociedade civil sanciona e perpetua quando as reproduzem e garante a dominação patriarcal.

A descabida expressão “mulher honesta” foi retirada do ordenamento jurídico recentemente, no ano de 2009.  Para ter uma ideia esse termo é uma herança do império português, do código criminal de 1.890, que proibia o estupro nos seguintes termos: “estuprar mulher virgem ou não, mas honesta”. O pior é que essa maldita herança perdurou nos códigos penais brasileiros até 2009, ainda com a expressão “mulher honesta” para legitimar e criminalizar o que é estupro ou não. É neste sentido que podemos considerar esse ordenamento jurídico brasileiro como uma (re)atualização da lei, pois o sistema patriarcal-punitivo ainda têm no corpo das mulheres um de seus principais alvos. E isso pode ser ilustrado não apenas na experiência dolorosa da adolescente estuprada pelos 33 homens, mas também nas estatísticas que apontam os números alarmantes de mulheres que são estupradas por minutos no Brasil. Vale fazermos a reflexão: O que o silêncio de tantas mulheres, que nem sequer aparecem nas estatísticas, tem a nos revelar sobre o imaginário patriarcal no Brasil?

Afinal o que é ser “mulher honesta”? É ser bela, recatada e do lar? Será que as mulheres consideradas neste padrão de “honestidade” não são oprimidas, violentadas, e igualmente vítimas do patriarcado?

Nós somos “desonestas” e Não merecemos ser estupradas. 

Somos “desonestas” porque somos aquelas que saem de certa forma, dessa lógica dos valores da hegemonia estabelecida. Somos nós, que não aceitamos os rosários em nossos úteros.

Somos as mães solteiras, as funkeiras, as feministas, as lésbicas, bissexuais e transexuais, as negras e nordestinas, as Mães de Maio, as trabalhadoras, as encarceradas, as ocupadoras das ruas, as professoras agredidas pelos governos nas greves, as Indígenas, as pobres, as das favelas e as periféricas, as Sem-Teto, Sem-Terra, as Donas de Casas e de Barracos, as desempregadas, as Meninas Secundaristas em Luta, as quilombolas, as Mães de Santos, as rezadeiras, as benzedeiras, as quituteiras, as vendedoras ambulantes, as faxineiras, as diarista e as bruxas queimadas pela santa inquisição, as descendentes de Dandara e de Adelina.

Não é de hoje que as organizações internacionais de Direitos Humanos têm chamado a atenção do mundo para as diversas violações de Direitos das mulheres brasileiras. Casos como o dessa adolescente é apenas um exemplo da relativização da vida das mulheres, que mesmo estuprada, são sentenciadas culpadas pelo imaginário social e estatal.

O Brasil assinou e ratificou diversas convenções internacionais de proteção às mulheres: a convenções sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (1979); a convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher em vigor desde 1996. Entretanto, Ainda vigora a cultura do estupro que, lamentavelmente, está enraizada no imaginário da sociedade e das instituições no nosso país, que atribui à mulher o merecimento ao estupro, ou a legitimação de qualquer outra violência sofrida. Exemplo disso é a exigência, por parte das instituições, de atestado da “boa conduta” da adolescência.

Diante disso, nós, Adelinas, reafirmamos nosso REPÚDIO a toda e qualquer violações aos Direitos Humanos das Mulheres. Repudiamos o Machismo. Repudiamos o patriarcado. Repudiamos o Estado fascista e a cultura do estupro imposta.  


Manifesto Coletivo Autônomo de Mulheres Pretas






Nós, ADELINAS - Coletivo Autônomo de Mulheres Pretas, da grande São Paulo, formado em julho de 2015, por mulheres pretas e por elas representadas nos seus fenótipos negros: tonalidades de pele, texturas de cabelos, diferentes corpos e experiências comuns de opressão histórica.
Por unanimidade, aprovamos e tornamos público o presente MANIFESTO:


Quem é Adelina
Sabe-se que a “Adelina, a charuteira” foi uma escravizada e abolicionista maranhense. Seu pai e proprietário prometeu libertá-la, mas não cumpriu a promessa, garantindo apenas que Adelina fosse alfabetizada. Enquanto escrava de ganho, Adelina vendia charutos por toda a cidade, inclusive para estudantes, tendo a oportunidade de assistir a comícios abolicionistas no centro da cidade. Pela facilidade com que andava pelos espaços, Adelina teve grande importância nesse movimento abolicionista por ser informante das ações da policia contra os ativistas, além de também ajudava na fuga de escravizados.


Quem somos


Somos oriundas das trajetórias de militâncias individuais, de Coletivos Independentes e de outros grupos políticos do Movimento Negro. Constituímo-nos a partir do reconhecimento político que emerge das experiências, aparentemente pessoais, das vidas de cada uma, nas vivencias e experiências concretas e cotidianas do machismo, do sexismo, do capitalismo-patriarcal, sob vários eixos de subordinação e vulnerabilidade da nossa existência no interior desses espaços de lutas. 
A partir dessas experiências tecemos reflexões importantes: a) O conceito da singularidade de ser mulher, ser negra, ser trabalhadora e pobre nos Movimentos de Esquerda, e especificamente, no interior do Movimento Negro. b) A percepção de que as pautas da condição histórica da mulher negra não têm sido suficientemente contempladas por coletivos revolucionários feministas e Movimentos de resistência preta. c) No interior desses Movimentos vivenciamos as desvantagens e as múltiplas formas de violações de direitos e violências, oriundas das doutrinas ideológicas do sexismo, do racismo e do capitalismo, sendo relegadas a permanecer em Grupos de Trabalhos (GTs) dos Movimentos, realizando os trabalhos braçais nos núcleos de bases, perpetuando o lugar histórico ocupado pelas mulheres negras em nossa formação e no imaginário social brasileiro


Estamos unidas e reunidas por vínculos ideológicos, afetivos e espirituais, conformando uma irmandade, espaço de associação e intimidade, a partir do qual buscamos construir uma militância coerente com nossas histórias de vidas e possibilidades de atuação política na busca por uma nova forma de ser “Mulher Negra” como seres transcendentais e protagonistas das nossas próprias histórias.


Contexto histórico


Nós, mulheres negras, tivemos nossas experiências históricas diferenciadas que o discurso clássico sobre as opressões não tem reconhecido. Nossa luta está focada nas raízes da realidade históricas das mulheres pretas e suas lutas contra as múltiplas formas de opressão. O Brasil é o país com a maior população negra das Américas. Segundo o IBGE, compomos 51% da população negra e diante desse universo, nós, mulheres negras, fazemos parte do continnum entre senzala-favela-prisão.
A luta das mulheres negras é a mais longa do território brasileiro, na perspectiva da transformação social, posto que se inicia desde que a primeira mulher negra pisou neste solo e passou a forjar estratégias políticas de sobrevivência contra as práticas de violência dos colonizadores que alugavam seus corpos para outros engenhos, vilarejos e povoados para prestar serviços como: de mucama, ama de leite, quituteira, rezadeira, parteira, raizeira, benzedeira e ou mercadejar alimentos, entre outras atividades “produtivas” da época.
Hoje, após 400 anos, as mulheres negras ainda continuam figurando no lugar histórico da subserviência e da subordinação. Onde elas estão?: nas cozinhas da elite branca; são as anti-musas no modelo eurocêntrico e neocolonialista do ideal de beleza; são as maiores vítimas das agressões físicas, sexuais, psicológicas; homicídios, tráfico sexual, exploração do trabalho, trabalho escravo e fazem partes do crescente aumento da população encarcerada e da mão de obra barata no complexo industrial da punição no Brasil; são também as principais vítimas da violência estatal e do genocídio, com foco no extermínio da juventude preta; são as mulheres sem–tetos, sem-terra, sem universidades, sub-empregadas e desempregadas, sem saneamento básico, em situação de rua, são as idosas desamparadas. Seus filhos são as principais vítimas nas instituições governamentais e da violência policial, são as principais vítimas de doenças endêmicas, do sucateamento da educação pública, da precariedade de transportes público, dos entraves ao acesso aos bens culturais, ao lazer, da má alimentação popular, da intolerância religiosa e do desrespeito as comunidade tradicionais.   


No que acreditamos


Enquanto militantes orgânicas acreditamos na luta pela nossa autonomia como seres humanos transcendentais. Reconhecemos que as únicas pessoas que se importam com a libertação das múltiplas formas de opressão a que estamos submetidas, somos nós mesmas. Nossa política nasce de um amor saudável por nós mesmas, e por nossas irmãs aliadas, efetivamente comprometidas com a causa feminina – as mulheres indígenas, imigrantes, ciganas, homens transgênero e mulheres transgênero e as mulheres brancas, com o intuito de fortalecimento mútuo.  
Somos solidárias aos homens organizados de nossa classe trabalhadora, em todas as esferas de lutas pela emancipação humana, buscando sempre minar práticas que retrocedam na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Somos irmãs de cor dos homens negros, nossas experiências comuns de opressão iniciadas com a invasão de europeus, em terras originalmente pertencentes aos povos indígenas, e desenvolvidos por meio da força do trabalho escravos de negros e negras, nos faz lutar juntos contra o racismo e o genocídio das gentes negras.
Estamos comprometidas com a luta antirracista, antisexista, anticlassista Nossa tarefa especifica é desenvolver uma análise e prática integrada, baseada no fato de que sofremos opressões simultâneas. Acreditamos que a política mais radical deve basear-se diretamente sobre a nossa identidade negra feminina e que libertação de todos os povos oprimidos exige a destruição dos sistemas políticos e econômicos do capitalismo e do imperialismo, tanto quanto o patriarcado. Não estamos convencidas, no entanto, que uma revolução socialista que não é também uma revolução feminista e anti-racista nos garanta nossa liberdade.

Acreditamos na construção de uma nação nova, multiétnica, pluricultural e multilíngue baseada na democracia, pluralismo, anti-imperialismo, e na eliminação da exploração social e opressão em todas as suas formas, em especial das mulheres negras – o duplo caráter de nossa condição biológica – racial e sexual, nos fazem mais oprimidas e exploradas no sistema capitalista-patriarcal que transforma as diferenças em desigualdades e a discriminação assumem caráter triplo, dada a posição de classe da maioria das mulheres negras.